As aparências podem enganar. Casos considerados clinicamente estáveis de pacientes com neuromielite óptica e esclerose múltipla podem, na verdade, estar progredindo de forma silenciosa. O alerta dos especialistas da equipe do serviço de Neurologia do Hospital São Francisco na Providência de Deus (HSF-RJ) foi apresentado no Congresso Anual da Academia Europeia de Neurologia (EAN), realizado na Finlândia. “Nossos trabalhos apontam que devemos estar sempre atentos, mesmo quando tudo parecer sob controle. Detectamos que, em ambas as doenças, há um grupo de pacientes que, apesar de uma aparente estabilidade clínica e que, mesmo medicados, podem estar evoluindo com uma progressiva perda celular. Ao mesmo tempo, esta percepção de uma falsa estabilidade pode ocasionar um ‘perigoso relaxamento no tratamento’”, afirma o neurologista Gustavo Figueira, um dos responsáveis pelos estudos.
A descoberta partiu de um estudo realizado com pacientes tratados com esclerose múltipla no hospital em que trabalham. Segundo os especialistas, dos 148 pacientes classificados como estáveis de acordo com os critérios atualmente utilizados para a avaliação das doenças, “aproximadamente 23 % deles apresentaram piora no Índice de Corpo Caloso (CCI), o que evidencia piora da atrofia cerebral”, afirma Gustavo. Fernando Figueira, neurologista chefe da equipe, complementa dizendo que o estudo clínico desenvolvido por eles é de grande valia, se for levado em conta o alcance da doença no mundo: 2,8 milhões de pessoas.
O estudo também verificou que 20% dos pacientes com neuromielite óptica atendidos pela equipe de neurologia do HSF também tiveram evolução do quadro. Considerada uma doença neurológica rara autoimune, a neuromielite óptica atinge entre 7 a 10 mil pessoas em nosso país, segundo a Associação Brasileira de Pacientes de Neuromielite Óptica, a NMO Brasil. “Verificamos que dentre aqueles classificados como estáveis apresentaram piora no CCI acima dos limites de corte, o que significa que a doença está progredindo de forma silenciosa”.
Para a realização das avaliações que levaram a estes resultados, os neurologistas do HSF desenvolveram um método próprio, por meio do uso de exames de ressonância magnética. “Através destas análises, pudemos detectar que alguns pacientes estavam tendo piora em sua imagem, embora isso não fosse aparente clinicamente”, conta Figueira.
A descoberta pode proporcionar a esses pacientes maior qualidade de vida ao impedir que a doença avance silenciosamente, com o risco de, mesmo na ausência de novos surtos, produzir danos permanentes ao sistema nervoso central, sobretudo na área cognitiva, comprometendo tanto a velocidade de processamento da informação quanto o pensamento executivo, ocasionando prejuízo funcional, com impacto inclusive na empregabilidade. “Ao mesmo tempo, enfatiza a necessidade de considerarmos a atrofia cerebral como um parâmetro evolutivo relevante, estimulando sua avaliação sistemática e a busca de novas drogas que possibilitem um verdadeiro e completo controle da doença”, conclui Fernando Figueira.